sexta-feira, 9 de julho de 2010

"Almas à Venda"


Fãs de Allen e Gondry: uni-vos!
Com elementos característicos dos filmes de Woody Allen e Michel Gondry, “Almas à Venda” estréia dia 9 de julho nos cinemas brasileiros



Talento e técnica, à primeira vista, podem ser entendidos como competências humanas complementares. Afinal, somente existe arte quando ambas se complementam, isto é, quando a técnica torna-se um meio pelo qual o talento se manifesta. No entanto, tal relação, quase simbiótica, esbarra numa dicotomia de ordem prática: técnica é matéria e o talento, alma.
O que se pode, pois, esperar de um ator desalmado? É exatamente isso o que acontece em “Almas à Venda”, comédia dirigida por Sophie Barthes. Na película, Paul Giamatti, o desajustado Harvey Pekar de “Anti-Herói Americano”, interpreta a si mesmo como um ator às voltas com seu atual trabalho: a peça “Tio Vânia”, de Anton Tchecov. Giamatti não só coloca demasiada dramaticidade numa interpretação que, para o diretor do espetáculo, deveria ser cômica, mas também é incapaz de se dissociar de seu papel ao final dos ensaios.
O ator passa, então, a se sentir, como ele mesmo descreve, “pesado”, quase deprimido. A fim de ajudá-lo a sair de tamanho impasse, um amigo sugere que ele conheça o “Depósito de Almas”, uma espécie de clínica dotada de modernos equipamentos capazes de retirar a alma de seus clientes e torná-los, assim, mais felizes. Qualquer semelhança com “O Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças”, de Michel Gondry, pode não ser mera coincidência.
Apesar de contrariado, Giamatti decide ir ao incomum depósito. Convencido pelo Dr. Flintstein (David Strathairn) de que, ao final do processo, sentir-se-ia muito melhor e seria mais em suas atividades diárias, o ator decide retirar sua alma. Sentindo-se “leve”, ele volta para casa e para os ensaios, mas não a sua vida normal: além de não conseguir interpretar Vânia como outrora o fazia, Giamatti torna-se um homem insensível, prejudicando o relacionamento com sua esposa, Claire (Emily Watson). Arrependido, ele tenta colocar sua alma de volta, porém, ela havia desaparecido. Giamatti inicia uma verdadeira peregrinação atrás de sua alma (e de seu talento), viajando, inclusive, até a Rússia, país onde fica a sede do “Depósito de Almas”.
Merecem destaque o humor irônico e as piadas feitas pelo protagonista sobre a própria tragédia, semelhantes àquelas feitas por alguns dos personagens típicos de Woody Allen. Tal comparação não é equivocada, já que a idéia do filme nasceu de um sonho que Sophie Barthes teve após assistir a “O Dorminhoco”, de Allen.
“Almas à Venda” é uma deliciosa e bem-humorada reflexão sobre a progressiva mecanização de nossa sociedade, na qual a tecnologia e o controlado pensamento racional sobrepõem-se às nossas desordenadas emoções. É, assim, um grito anti-positivista contra a desumanização do trabalho e da arte - esta última, cada vez mais “desalmada” dentro do que se convenciona chamar de Indústria Cultural.
Ainda flertando com a filosofia, o filme é uma tentativa de responder a uma questão constante na história do pensamento humano: desde o “mundo das idéias” de Platão, até o inconsciente freudiano, busca-se entender qual seria a força responsável pela personalidade do ser humano. Em “Almas à Venda”, essa força, a alma, além de poder ser retirada de uma pessoa e “inserida” em outra, tem forma, cor e textura específicas para cada corpo, caracterizando, assim, uma crítica à perda de individualidade com o avanço da técnica.
Caminhando entre a psicológica ficção científica de Gondry e o humor existencialista de Woody Allen, “Almas à Venda” traz uma válida mensagem sobre a sociedade contemporânea. Além de, é claro, contar com a imperdível atuação de Paul Giamatti.

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