sexta-feira, 26 de março de 2010

Terror Psicológico

Todo filme possui uma cena inesquecível, que se aviva imediatamente em nossa memória quando a ele nos referimos . Em “A Ilha do Medo”, dirigido por Martin Scorsese, tal cena nos é mostrada logo no início do longa: um barco surge, subitamente, dentro de uma espessa cortina de névoa, velando qualquer indício da origem da embarcação, como se ela não tivesse mais para onde voltar e as personagens já estivessem presas a seu destino - a ilha Shutter.
Esse sentimento de prisão, constante em todo o filme, começa a ser delineado quando nos é apresentado Teddy Daniels (Leonardo DiCaprio) que, tendo enjoos em um banheiro, olha pela janela e se vê completamente cercado por água, uma perfeita imagem de seu total isolamento do mundo em que costumava viver antes de partir.
Daniels, ex-combatente da II Guerra Mundial, é um agente da polícia federal norte-americana e, acompanhado de seu parceiro, Chuck Aule (Mark Ruffalo), é escalado para investigar o misterioso desaparecimento de Rachel Solando (Emily Mortimer), uma paciente do hospital psiquiátrico localizado na ilha, local para onde são levados criminosos com distúrbios psíquicos.
Logo ao chegar à ilha, Teddy Daniels percebe que há algo errado. Olhares ensaiados, depoimentos visivelmente forjados, a impossibilidade de o detetive acessar os arquivos do hospital. A esses mistérios, soma-se o bilhete encontrado pelos detetives durante uma visita ao quarto de Solando, acusada de afogar seus quatro filhos: “O mistério dos 4. Quem é o 67?”, sugerindo a existência (negada veementemente pelos diretores da instituição) de um 67º paciente na ilha.
Daniels, então, começa a ter alucinações. Sua mulher, morta em um incêndio criminoso, aparece em seus sonhos, dando conselhos duvidosos e, por vezes, tentando afastá-lo do rumo das investigações. Aos poucos, o detetive se afasta cada vez mais da realidade – fantasmas rondam suas noites, lembranças da Guerra tomam seu pensamento e fortes enxaquecas tiram-no o controle de sua razão.
Ainda que contrariado por Chuck, Teddy começa a suspeitar que assombrosos experimentos, semelhantes àqueles praticados em campos de concentração nazistas, sejam realizados com alguns pacientes da ilha. Tal acontecimento dá uma nova direção às ações do detetive. Assumindo esse viés, a história também aborda (ainda que sucintamente) a paranoia vivida durante a Guerra Fria, propondo a seguinte reflexão: seria o contínuo terror vivido além dos limites da ilha mais irracional do que a insanidade dos habitantes do hospital psiquiátrico? Em determinado momento da narrativa, um dos pacientes chega, inclusive, a afirmar ser melhor viver internado com segurança do que em um mundo onde se vive sob a ameaça “bombas H”, uma clara referência ao “Equilíbrio do Terror” entre EUA e URSS durante a Guerra Fria.
O filme esconde grandes mistérios revelados cena a cena, desafiando nossas próprias concepções sobre loucura e realidade. “A Ilha do Medo”, para alguns críticos, é “O Iluminado” de Scorsese. Um comentário bastante verdadeiro, posto que, guardadas as devidas diferenças, ambos exploram os cantos mais sombrios da mente ensandecida, conduzindo os espectadores aos mais surpreendentes meandros das alucinações. Nesse ponto, se estabelece um grande enigma: até que ponto a vida de Daniels (e de todos os habitantes da ilha) é verdadeira, isto é, até que ponto devemos confiar no que nossa mente nos diz?
Scorsese constrói seu filme com uma certa dose de expressionismo: a mente ensandecida é uma ilha, um universo totalmente apartado do que se considera real. O medo, por sua vez, atinge a razão tal qual um devastador furacão, cuja ação é, segundo o filme, corroer e apodrecer a mente.

quinta-feira, 18 de março de 2010

Preciso desabafar:

Eu choro toda vez que escuto "Vilarejo", da Marisa Monte. Se não chego ao ponto do pranto, me comovo muitíssimo! Ah, que música mais lindinha!

"Pra acalmar o coração/Lá o mundo tem razão/Terra de heróis, lares de mãe/Paraíso se mudou para lá(...)/Toda gente cabe lá/Palestina, Shangri-lá/Vem andar e voa/Vem andar e voa/Vem andar e voa"

decifrandonuvens


Duas, três... e quinze. Vazio azul, clara mente escura e só: tudo era um ambiente todo meu, todo livre - em branco. Pincéis de pensamento e cores mil.
O vendedor de balões buzina "olha, menina" e logo mais, trôpego, cochila em pé, um poste torto. E lá se vão bolas e mais bolas pelo ar. Rédeas frouxas, sem razão, se soltam, se jogam, se voam.
Meus, ainda? Longe, longe... para lá, logo atrás das nuvens. Dentro de gotinhas de vapor que se moldam, tomam forma de quem? Ninguém. Pairando sozinhas, equilinearmente, logo se desmancham e tornam-se nada de novo. E de novo, já não têm dono. Nuvem lá, nuvem pra mim.

Eita, pensamentozinho besta!

segunda-feira, 8 de março de 2010

Minhas expectativas em relação ao Oscar foram, felizmente, atendidas. Em nenhum momento quis ver Avatar (2009, EUA/Reino Unido) pois, sinceramente, narrativas desse gênero não me atraem, ainda mais quando se valem de super efeitos especiais. Gosto do Cinema real, de filmes que tratam de pessoas e de suas vidas, sejam elas marcadas por dramas, romances baratos, guerras ou segregação social. Não que todas as histórias tenham de se restringir ao limite da realidade "crua" (vide meu fascínio por 2001: Uma Odisseia no Espaço - que dispensa comentários -,além disso, gosto muito de Gattaca e sou fã inveterada de Harry Potter), pois é a própria fugacidade que nos transporta para além da frustração . Porém, eu gosto da catarse, de quando um filme torna-se obra de arte, de ver bons enredos contados por meio de uma bela fotografia, e não de lindíssimas sequências de imagens sem narrativa alguma (como ouvi ser o caso de Avatar).

Somente o fato de não ter visto Avatar não explica a realização dos meus anseios. Minha satisfação deve-se ao grande vencedor da noite de ontem: Guerra ao Terror (The Hurt Locker, 2008, EUA), filme brilhante e realmente merecedor dos prêmios da Academia. O longa, dirigido por Kathryn Bigelow (primeira mulher vencedora do Oscar de melhor direção), trata dos últimos dias de um esquadrão anti-bomba no Iraque, narrando as vicissitudes da rotina militar sem fazer um discurso explicitamente favorável ou contrário ao conflito (embora o próprio relato "imparcial" dos acontecimentos seja, por si só, uma crítica velada aos excessos beligerantes dos EUA). Seja pela escolha de câmeras, as quais parecem ser portadas por alguém posicionado dentro do próprio filme; seja pela ausência da altissonante (e incoerente) trilha sonora tradicionalmente usada em filmes de guerra ou seja pela narrativa humanizada do conflito (vale destacar o difícil relacionamento entre os personagens Sanborn, vivido por Anthony Mackie, e James, interpretado por Jeremy Renner), Bigelow conduziu um filme que, como poucos, foi capaz de aproximar, dentro do possível, os espectadores do que é verdadeiramente viver em uma guerra.
Enfim, meu objetivo não é fazer uma crítica sobre Guerra ao Terror, mas sim registrar meus sinceros parabéns à escolha da Academia, a qual pareceu pautar suas escolhas não pelo sucesso comercial de um filme, mas pela maestria que torna o Cinema capaz de, brilhantemente, representar parte do que é o ser humano. Não posso me esquecer, ademais, do merecidamente melhor ator coadjuvante - ainda que, para mim, ele tenha sido o protagonista de Bastardos Inglórios (Inglourious Basterds, 2009, EUA/Alemanha) - deste ano: Christoph Waltz. Dono de genial interpretação, o austríaco deu vida ao coronel nazista Hans Landa, grande vilão do filme de Tarantino, que impressiona não só pela sua fria crueldade, mas pelo seu excelso domínio de idiomas. Landa transita pelo Inglês, Alemão, Francês e Italiano com uma naturalidade estonteante. Faz quatro meses que assisti a Bastardos e posso dizer que, em todo esse tempo, meus maiores elogios em relação ao filme foram destinados, indubitavelmente, à interpretação de Waltz.
Quanto a Avatar? Bem, posso ter perdido um inesquecível espetáculo tecnológico, mas posso dizer que, até agora, o dinheiro economizado foi muito bem gasto na sessão de Guerra ao Terror, obrigada. Quem sabe eu assista ao filme de James Cameron, porém, isso só acontecerá quando eu sentir vontade de fazê-lo (ainda que sem a projeção em 3D). Por enquanto, fico satisfeita ao ver um grande filme e um brilhante ator serem agraciados com o mais prestigiado prêmio da sétima arte.