segunda-feira, 19 de abril de 2010

Guia prático de introdução ao Aquarismo

Ganhei um peixe! Sempre quis um peixe num aquário redondo e, quando ele chegou, foi instante de festa e de olhos reluzentes. Meu novo animal de estimação chama-se Queijo, é lindo, medroso, vermelho e vive num aquário com pedrinhas verdes. Melhor de tudo: foi presente do meu namorado em virtude do nosso primeiro ano de namoro. Lindo, não é? Tô conseguindo manter ele vivo há dois dias, um verdadeiro progresso diante das minhas experiências anteriores com peixes. Tenho de alimentá-lo de duas a três vezes por dia, trocar a água do aquário uma vez por semana... Tudo tranquilo, até agora. Ele, neste exato momento, me olha enquanto escrevo. E justamente aí que me pego a matutar: ele nada, nada, para e me olha quando chego perto dele. Depois, dá voltinhas dentro do aquário, se esconde dentro das águas... Encosta o ventre no cascalho verde, vai para cima, rodopia para baixo, percorre todo o perímetro do aquário e sobe até a borda para fazer bolhinhas. Dou comida, ele vem, come, tenta espiar o mundo de fora por dentro, faz cocô. Quando coloco o indicador próximo à borda d'água, ele parece fingir entender. Acho que até dá "tchauzinho", por vezes, com sua nadadeira. Mas não passa disso. Depois esquece, continua seu rodopio intermitente dentro de seus quatro litros de lar - repete tudo, sempre igual, o dia inteiro.
Penso eu: não se sentiria ele sozinho? Deve ser triste ser um peixe,vivendo só na melancólica vastidão de seu aquário. Hoje mesmo até perguntei à Helena, colega da faculdade, se ele era feliz assim. Ela afirmou que sim, "Betas são solitários mesmo". Na hora, concordei com ela e comigo mesma - o Queijo estava bem. No entanto, chego em casa e olho para ele, volta o pensamento todo, sempre igual, e pior: ora, não é porque ele é solitário que goste de viver sozinho! E se ele for um gauche, ou algo do gênero? E se ele, simplesmente, não souber conviver com outros peixes em seu pequeno oceano? E se esse for o motivo pelo qual alguns betas tentam constantemente fugir de seus aquários num impulso suicida?
Gosto muito do peixinho (não mais que de meu cachorro), mas fico triste por ele, por sua solidão tácita. Incomoda-me o olhar desprendido dele, sem se fixar em ponto algum. Dói-me seu movimento preso, nunca cansado de nadar. Vejo-me em seu cárcere-bolha, redondo em sua forma, infinito por dimensão.
O peixe mal dorme, eu acordo às 5h40. O peixe rodopia em seu aquário, eu vou para a faculdade. O peixe se esconde dentro da alga artificial, eu chego em casa na hora do almoço. O peixe brinca dentro dos limites de sua realidade, eu leio jornais e converso com meus amigos. O peixe estranha o pequeno toque do indicador dentro de seu mundo, eu vivo a procurar milagres. O peixe come duas ou três vezes por dia, eu também. Nós dois tentamos prender a respiração e chegar até a tênue borda da nossa realidade para, então, enxergar o que existe fora de nossa compreensão. Sempre assim, nós dois nos encaramos, fazendo "tudo sempre igual".

#nowplaying Tom Jobim - Água de Beber (no começo da postagem) e Chico Buarque - Cotidiano (no fim).
"Eu quis amar, mas tive medo
E quis salvar meu coração
Mas o amor sabe um segredo
O medo pode matar o meu coração

Água de beber
Água de beber, camará
Água de beber
Água de beber, camará"
(Tom)

"Todo dia eu só penso em poder parar
Meio-dia eu só penso em dizer não
Depois penso na vida prá levar
E me calo com a boca de feijão..."
(Chico)

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