quinta-feira, 15 de abril de 2010

Incomunicação nos tempos de Steve Jobs


Bons tempos, aqueles dos sinais de fogo. Só bastavam um pouco de madeira seca, faísca e sopro: lá se acendia a tocha que iluminaria os caminhos da comunicação. Naquela época, não precisávamos viver longe de nossos afetos, talvez bem existisse saudade no meio da verdadeira solidão.
Bons tempos. Sem emprego, pátria ou patrão. Sem as ofuscantes luzes da cidade para esconder a verdade do universo guardada dentro do lampejo de cada estrela.
Bons tempos, enterrados sob concreto arnadi e asfalto, pisados por automóveis, passeatas e tratores. É. O mundo cresceu e a saudade também. A solidão encolheu tanto que, para não sumir, fincou firme o pé em cada peito - paradoxal e irremediavelmente. Daí nos sentirmos completamente sós num edifício com duas mil outras pessas - sentimos falta de nós mesmos.
Tentamos, pois, preencher esse hiato com toda a soete de inventozinhos. Criamos necessidades. Primeiro, foi a casa para chamar de própria. Depois, as roupas para fazerem moda. Então, vieram o trabalho, a palavra, o jornal e, bem depois (e nem por isso menos frustrante), a operadora de telefone celular.
Esta última, nos oferece a vida sem fronteiras e a saudade em escala menor. Compramos chips na esperança de que bossa vida simplesmente seja mas viva, de que pulemos mais, de que nosso "eu te amo" seha ouvido de perto, feito sussuro, mesmo vindo de longe. Claro. Em vez disso, levamos tarifas impagáveis e o sinal da empresa que não funciona. Simples assim, nossa comunicação depende de outrem. E o pior: vimos isso acontecer.
No jornal, li uma notícia sobre um homem. Como tantas, uma pequena nota no canto da página, perdida no meio de tanto fato, mapa e cor. Enfim: ele era paulistano e engenheiro civil. Para completar sua vida, nada melhor que um novo celular, comprado graças às convidativas vantagens de certa operadora. Durante vinte e cinco dias, o celular do digníssimo cidadão ficou mudo, isto é, inútil. Pois de nada adiantam mil funções em um celular se ele não serve para sua função mais básica: ouvir uma voz e respondê-la.
Devido a essa falha, o engenheiro tornou-se praticamente incomunicável. Perdeu até um emprego que triplicaria seu salário. Sinais de fogo, cartas, telegramas - nada adianta se o maldito aparelhinho de algumas polegadas resolve não funcionar e se a boa vontade da operadora não colaborar.
Bandeira branca. Fomos vencidos pelo monstro da incomunicação que, disfarçado dentro dos mais diversos gadgets, nos engana, pois acreditamos que estamos com o mundo cada vez mais na palma da mão. Pobre de nós, tão bobos, jogamos fora nossa própria voz. E não há Steve Jobs, com seus aparelhos mágicos, que possa nos ajudar.

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