sexta-feira, 16 de abril de 2010

Revisitando o País das Maravilhas
Dirigida por Tim Burton, nova versão em 3D de “Alice no País das Maravilhas” estreia no país em 23 de abril e promete se tornar sucesso nas bilheterias nacionais.
Por Gabriela Sá Pessoa

“A lagarta e Alice olharam-se por algum tempo em silêncio. Por fim, a Lagarta tirou o narguilé da boca e dirigiu-se a Alice com uma voz lânguida e sonolenta. ‘Quem é você? ’, disse a Lagarta.” Se a pergunta tivesse sido feita ao filme Alice no País das Maravilhas, adaptação dirigida por Tim Burton da obra homônima de Lewis Carroll, a resposta possivelmente seria a seguinte: um filme que, além de contar com a mais moderna tecnologia em 3D, arrecadou mais de 300 milhões de dólares durante os primeiros 28 dias em cartaz nos EUA. Visualmente exuberante, Alice, cuja estreia no Brasil está marcada para 23 de abril, conta com uma forte expectativa dos fãs de Burton e de Carroll. Para Carolina Fiori Godoy, fã do diretor e estudante de Letras na Universidade de São Paulo, o que mais encanta na obra de Burton é “a questão da estética, especialmente por ele ligar tudo num mundo novo.”
Alice é a mais recente produção da Disney, que também já havia lançado, em 1951, uma versão em desenho animado do livro. Luciano Gomes Órfão, professor de História, é apaixonado pelos livros de Carroll e acredita que muito da história original foi perdida com a primeira adaptação da Disney. “Foi um projeto mais para ter cara de desenho animado do que ser fiel à Alice de Carroll.”
Ainda na década de 50, diversas adaptações da obra começaram a ser feitas para o cinema. “Todas iguais”, na opinião de Burton, em entrevista ao Fantástico (Rede Globo), “com a mesma história da menininha que cai na toca do coelho e vai parar no País das Maravilhas.” Para o diretor, seu longa se diferencia dos demais por mostrar a protagonista mais velha, com 19 anos, “esquecida do passado, que retorna ao maravilhoso mundo subterrâneo para ajudar os seres de lá a se livrar da Rainha Vermelha, que é malvada, e devolver o trono à Rainha Branca, do bem.”
Burton, a propósito, é um diretor pouco convencional, uma figura excêntrica no cinema contemporâneo. Em suas obras, ele utiliza o espaço cinematográfico para dar vida a criaturas fantásticas e a situações extraordinárias, explorando o universo do “bizarro”, do incomum. Alexandre Claudius Fernandes, professor de Literatura e Redação, acredita que “Tim Burton resgata elementos que eram usados pelo [escritor norte-americano] Edgar Allan Poe. Assim como Poe, Burton traz o grotesco para dentro da arte. Porém, ele consegue fazer um contraste entre o grotesco que existe no romantismo, feito por Edgar Allan Poe, junto ao expressionismo, dentro da arte e do processo fílmico. Essa fusão, no caso do diretor, é responsável por trazer o imaginário para dentro de sua arte. Podemos entendê-lo como uma espécie de ‘Neo-Lewis Carroll’ do cinema.” André Renato Silva, mantenedor de um blog sobre críticas de filmes (http://sombras-eletricas.blogspot.com) e professor de Língua Portuguesa, explica que “a estética expressionista no cinema traz, basicamente, a deformação irreal de objetos e a desproporção de volumes (muitas vezes representando alegoricamente a subjetividade atormentada de algum personagem), a atmosfera noturna e nevoenta (mais uma vez) e, além de tudo, o forte jogo de contrastes entre luz e sombra.”
Quando começou a estudar no California Institute of Arts, Tim Burton não gostava de trabalhar com animações. Hoje, ele é um dos mais aclamados diretores do cinema norte-americano, reconhecido, principalmente, por “Edward Mãos de Tesoura” e animações como “O Estranho Mundo de Jack” e “A Noiva Cadáver”, filmes que angariaram milhares de fãs de Burton ao redor do mundo (só no Brasil, a comunidade destinada ao diretor no Orkut conta com mais de 41.000 membros).
Tim Burton é uma figura de grande importância e de reconhecida criatividade na sétima arte, assim como o universo fantástico dos livros de Lewis Carroll que, desde a Inglaterra vitoriana, povoa o imaginário de gerações de leitores. Luciano Órfão ainda afirma que “Alice, enquanto retrato histórico, é extremamente rico.” Para o professor, o livro pode “ser colocado do lado de qualquer quadro impressionista, das obras de Freud ou da Teoria da Relatividade. É, sem dúvidas, um texto da sua época.”
Ainda que a protagonista, no livro, tenha sete anos, não se pode classificar a obra do escritor como estritamente infantil: Carroll era um professor de matemática apaixonado por enigmas numéricos, além de ter feito truques de mágica durante toda sua vida. Alice no País das Maravilhas é, desse modo, um labirinto de palavras, onde problemas de lógica se escondem atrás de expressões, personagens e trocadilhos dificilmente perceptíveis a leitores não-anglófonos.
Burton garante que Alice é um filme para todas as idades. Para Zaine Carvalho Câmara, professora de Língua Portuguesa, o fato de Alice ser retratada aos 19 anos no filme faz com que tanto o público jovem, quanto o infantil, se identifique com a personagem. “Seja pelos conflitos inerentes ao amadurecimento, seja pelo desejo que as crianças, hoje, têm de quererem ser adultas”, afirma a professora.
O diretor, além disso, diz não ter feito “nada mais estranho ou monstruoso do que tem na história original.” Na verdade, poucos diretores poderiam conduzir visualmente os espectadores a uma nova viagem ao maravilhoso mundo de Carroll como Tim Burton. André Renato, por sua vez, não consegue “pensar em um diretor de Hollywood mais criativo e ‘bizarro’ do que ele para encarar a tarefa - talvez Guillermo Del Toro.” Não somente por sua obra se assemelhar, de certa forma, à de Carroll (quem poderia filmar um chá de “desaniversário” melhor do que o homem responsável por explorar o universo dos mitos em “O Estranho Mundo de Jack”?), mas também por suas famosas parcerias com Johnny Depp e Helena Bonham Carter que, respectivamente, interpretam o Chapeleiro Maluco e a Rainha de Copas.
Silva ainda acredita que “Johnny Depp é um ator ‘especializado’ em personagens párias, bizarras, românticas, etc., mesmo em filmes que não são de Burton.” O ator, em seu sétimo trabalho com o diretor, é um dos grandes destaques do filme. Por se tratar de uma livre-adaptação, o Chapeleiro ganhou mais evidência na história, aumentando, assim, a responsabilidade de sua interpretação na condução da narrativa. Depp afirma, também em entrevista ao Fantástico, ter achado “o ponto ideal” em sua composição, “resultado de muito estudo e de muita pesquisa sobre o personagem.” Já Helena Bonham Carter, esposa de Burton, dá vida à Rainha Vermelha, grande vilã do filme. A construção da personagem foi resultado da fusão entre as rainhas Vermelha e de Copas, também vilãs nos livros de Carroll.
O filme promete, além das grandes interpretações e da magistral direção de Tim Burton, um espetáculo de efeitos visuais. Ele também será exibido na versão 3D em algumas salas o que, para alguns, tornará ainda mais reais as experiências dos espectadores em sua incursão no “País das Maravilhas”. Para André Renato, o 3D é “uma experiência interessante, que pode ‘dar um gás’ na nossa percepção, mas sem alterá-la na sua essência.”
De qualquer forma, em 3D ou em 2D, a expectativa para a estreia de Alice é tamanha que, em alguns cinemas, muitas sessões já estão lotadas, não só para o dia 23 de abril, mas também por até uma semana depois da data do lançamento. Só nos resta esperar mais alguns dias até podermos descer pela “toca do coelho branco” e conferir as maravilhas criadas por Burton.

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