segunda-feira, 5 de abril de 2010

Voamos

Tarzan foi o filme favorito da minha infância.

A busca do saber
Vai mostrar a direção
Mas sempre ouvindo a voz do coração
(...)
Só você vai encontrar liberdade "prá" viver
E um dia então será
Como um grande homem deve ser.
Ed Motta - Trilha sonora de Tarzan



E não há quem não o diga: o tempo não passa, voa. Vai longe, vento dentro da nuvem, leva consigo as virtudes, a fantasia e tudo o mais que fomos.
Ontem foi a Páscoa e devo dizer: cresci. Não porque me tornei mulher-feita, racional, experiente, dona de mim. Mas porque eu estou deixando de sentir. Ainda amo, pois viva ainda estou. Tenho saudades, esperneio, me rasgo em lágrimas, sou risos e carícias mil. A situação é a seguinte: as coisas estão, simplesmente, perdendo seus significados. Sinto ser consumida pela apatia, pelo olhar morno, blasé, para a paisagem presa à inexorável realidade da janela. E não pode, não deve ser assim!
Ora, quando criança, nada mais gostoso do que esperar pelas datas comemorativas. Cronologicamente, "dia de ano", Carnaval, Páscoa, dia do índio (que nem feriado oficial é), Tiradentes, dia das mães e dos pais, Quermesse, dia da criança e, claro, aniversário e natal. Tudo preparava-se com requinte único: dobraduras, pinturas, máscaras e comidinhas - fragmentos de infância que vão embora junto com os sapatos que não servem mais. Triste. É assim que a gente morre, aos pouquinhos, com as pequenas coisas de que nos desfazemos por não nos servirem mais. No fim, nem mesmos nosso corpo servirá à nossa alma. Tornamo-nos, então, um punhado de pó, um pedaço da terra deste mundo.

Eu mal cabia em meu metro de altura e já dizia: ovos de Páscoa só podem se abrem no domingo. Tinha coisa melhor do que ver tamanho estoque de chocolates crescendo, dia a dia, em cima do armário da cozinha? Quando a gente é pequeno, tem mania de guardar o melhor sempre pro final: primeiro o arroz e o feijão, depois a mistura. Tortuguita se come metodicamente: patas, cabeça e casca; Yakult se bebe fazendo um furinho no fundo, bem devagarzinho, transformando um gole em três ou quatro. Enrolar os brigadeiros do aniversário, então, era quase um ritual, um exercício de autocontrole da gula. Já na infância, aprendemos que momentos bons são poucos (e preciosos), por isso devem ser cuidados até o fim, vividos ao máximo - até a última gota.
Deixar de se empolgar com a Páscoa é uma tragédia imensa, talvez uma das piores que possa se abater sobre um ser humano. Assim, começamos a morrer, quando abandonamos significados que cresceram conosco, quando o cheiro das comidas só nos lembra fome (e não vontade). Jogamos ao ar nossas memórias, deixamos de ser quem somos. Tropeçamos em nossas rugas, deitamos ao vento para voar sozinhos eternamente.
Sorte que ainda deve haver um certo tempo...

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